'Ritual de Lâminas'

     (Dueto)                                                                          


— Há anos deslizo sobre o fio que não sei se é teu.
— E eu corto onde não há carne.

— O que nomeias já é ausência.
— O que não nomeio é o que permanece.

— Quando toco, é o vazio que arde.
— Quando me afasto, é o toque que fica.

— Sou o peso que não assenta.
— Sou o muro que não espera.

— E se um dia eu parar?
— Não paramos. Nem começamos.

— Somos o intervalo entre o som e o eco.
— Somos o eco que se esquece do som.

— És o risco que deixo de olhar.
— És o corte que nunca termina.

— É o quase que nos sustenta.
— É o quase que nos desmorona.

— Somos a lâmina e o vazio.
— Somos o que sangra quando ninguém vê.

— E o que nos mantém?
— O corte que não fecha.
— A ausência que não se desfaz.

— Há anos nos rasgamos.
— Há anos nos escutamos sem ouvir.

— Sou o silêncio que pesa.
— E eu, o fogo que não arde.

— E quando um for, o que resta?
— O ritual.
— O nada.
— O tudo.

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