'Esse Amor'

esse amor não se contenta em existir.
rói a língua e devolve palavras cegas.
beija como quem morde a garganta do mundo,
engole, engole,
e depois vomita estrelas.
carrega livros nas costelas,
páginas rasgadas que voam como corvos,
palavras soltas que se esquecem do próprio nome
mas nunca do destino.
esse amor preserva o que não se toca,
arde no que não se vê,
respeita o que se quebra com facilidade,
mas nunca com delicadeza.
afasta-se e expande-se
como um grito que se curva sobre o próprio eco.
comprime-se em espaços mínimos,
na dobra entre o olhar e o esquecimento,
desfaz-se como lâmina na boca.
mata com o gesto e vive com o silêncio.
afoga o outro e depois o ressuscita,
só para vê-lo morrer outra vez,e outra.
por décadas, séculos, milênios.
por instantes que duram o tempo de um relâmpago.
esse amor é um bicho em transe,
ritual de luz que cega,
pássaro de vidro a cortar o céu.
ele diz "vem" e depois recua,
beija e afasta o rosto,
oferece a pele, mas nega o toque.
esse amor vive no quase,
nas margens que nunca se tocam.
e quando se encontra, é só para se perder melhor.
esse amor não morre.
afoga-se em si mesmo,
ressuscita apenas para provar o sabor da própria ausência.
e quando pensas que ele acabou,
é só o início do grito que se prepara.

Nenhum comentário:

Postar um comentário