Outro dia, entrou-me porta adentro uma professora em pleno desespero. Era um misto de tragédia shakespeariana e novela mexicana. Veio contar-me, com lágrimas nos olhos e um tom quase confessional, que Joãozinho, o mais conhecido rebelde da escola nos seus cinco anos de existência, havia cometido um pecado grave. Não, não foi riscar a carteira com marcadores permanentes nem lançar aviões de papel na sala de aula. Joãozinho, aquele pequeno subversivo, tinha lido algo proibido na biblioteca.
Sim, lido! Um ato que, em outros tempos, seria até motivo de
orgulho. Mas não, o problema era o que ele havia lido. Não era uma
enciclopédia. Não era um livro de ciências. Era, segundo a professora, “aquele
tipo de coisa que não é apropriado para mentes tão jovens”. Prontamente
imaginei: um romance picante escondido entre os contos de fadas? Uma crítica ao
sistema educativo? Talvez algo de Nietzsche, com as suas ideias perigosamente
filosóficas? Não, nada disso.
— Foi sobre bebês, senhor, sobre bebês que nascem do
repolho! – disse ela, com a expressão de quem tinha acabado de testemunhar o
apocalipse literário.
E eu ali, tentando conter o riso. Porque, vejamos, qual é o
problema de se imaginar que bebês podem vir de repolhos? É uma metáfora bonita,
até. Sustentável, diga-se. Muito mais prática do que cegonhas, que têm um
péssimo histórico em logística.
A professora, no entanto, não achava graça. Para ela, o
Joãozinho, em toda a sua curiosidade infantil, tinha cruzado uma linha
inaceitável. Comecei a refletir: por que será que proteger as crianças da
fantasia parece mais importante do que protegê-las da realidade? Não seria mais
útil ensiná-las que os bebês não vêm de repolhos, mas que podem, sim, nascer em
contextos muito menos poéticos?
Joãozinho, no entanto, parecia alheio a tudo isso. Foi
encontrado na hora do recreio, debatendo com os amigos sobre qual repolho daria
os bebês mais saudáveis: os verdes ou os roxos. Uma questão científica que,
francamente, muitos adultos não saberiam resolver.
E ali ficou o Joãozinho, com sua imaginação intacta,
enquanto a professora e eu concordávamos, num raro momento de cumplicidade: o
verdadeiro perigo para a juventude não está nos repolhos. Está nos adultos que
insistem em esmagar a criatividade com o rolo compressor da realidade.
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