Em Sucupira, uma cidade onde as histórias se entrelaçam como as vinhas antigas nos muros de pedra, fala-se da lenda do Rapaz da Torre. Durante o dia, as suas aparições são raras; conta-se que reside no andar mais alto e esquecido de uma antiga torre de relógio, que se ergue acima dos telhados desgastados pela salinidade do ar. Mas é ao cair da noite que a verdadeira natureza deste enigmático personagem se revela: transforma-se no Ego-Corvo, uma criatura de sabedoria e sombras, voando silenciosamente sobre as estreitas ruas de Sucupira.
O Rapaz, cujo verdadeiro nome se perdeu no tempo, carrega
consigo os segredos e os medos dos habitantes da cidade. Vê tudo, desde os
amores não confessados dos jovens apaixonados até às transações sombrias nos
becos escuros. Ninguém sabe ao certo se é um guardião ou um fofoqueiro de
plantão, mas a sua presença é sempre um presságio de que verdades ocultas estão
prestes a ser reveladas.
À noite, sob o manto de Ego-Corvo, sussurra nos ouvidos dos
habitantes, as suas palavras carregadas de cautela e proteção. "Cuidado
com o coração entregue de ânimo leve," poderá advertir uma rapariga cuja
paixão a deixa cega para os perigos do amor. Ou "Guarda os teus segredos,
pois as paredes têm ouvidos," alerta um comerciante prestes a fechar um
negócio arriscado. Mas o Rapaz da Torre não apenas impede; ele também guia,
encorajando alguns a dar passos que temem, mas que são necessários para o seu
crescimento.
O paradoxo do Rapaz da Torre é que, enquanto ele próprio é
prisioneiro da sua forma e função, ele oferece a chave para a liberdade
daqueles que escutam as suas palavras. A cada nova lua, os habitantes de
Sucupira reúnem-se para partilhar histórias sobre como o Ego-Corvo os
influenciou, para melhor ou para pior. Com cada história, o mito do Rapaz da
Torre cresce, um lembrete constante de que todos carregam um guardião e um
carcereiro dentro de si.
Por trás da sua fachada misteriosa e das suas asas escuras,
o Rapaz da Torre busca a sua própria libertação, um dia para voar não como um
corvo, mas como um ser livre das amarras do medo e da dúvida. Até lá, Sucupira
permanece sob a sua vigilância, cada habitante enfrentando as suas próprias
noites escuras, cada um aprendendo a distinguir entre a voz da cautela e o
chamado para a aventura.
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