Estava na igreja, tentando concentrar-me no sermão, quando um sujeito se senta ao meu lado e, de repente, começa:
— Meu Deus, pequei. E não foi pouco, não. Ontem mesmo, olhei duas vezes para o
jornal de anúncios do supermercado, mas não era pelas promoções. Era por
aquelas frutas... tão brilhantes, tão perfeitas, que me senti um Adão moderno,
pronto para morder o pecado.
Fez uma pausa, suspirou fundo, e continuou:
— Sonhei, Senhor, com mulheres e repolhos. Sim, repolhos, porque Deus me livre
de ser banal até nos devaneios. O problema é que já não sei mais quem sou. Ou,
pior, sei, mas não gosto de admitir, porque isso daria razão à vizinhaça, que
sempre disse: “Esse menino vai dar trabalho.”
Ele ajeitou-se no banco e foi em frente, sem pressa:
— E, veja bem, Senhor, não sou eu quem decide. A minha cabeça, essa trapaceira,
corre para lugares onde eu nunca pedi para ir. Ora, sonhar com cavacas? Isso é
coisa de gente saudável? Não é. Eu sou todo errado. Mas... ai de quem ousar
corrigir-me! Porque a errância, Senhor, é a minha única constância.
Fez o sinal da cruz como se estivesse a rubricar uma carta.
— Se puder, Deus, apaga essas vontades estranhas. Mas não todas. Porque, sabe
como é, ser santo deve ser um tédio terrível. E eu, mesmo errado, gosto de
sentir a vida como ela é: desorganizada, ácida, meio cômica, cheia de repolhos
e pecados pequenos.
Deu-me um sorriso cúmplice antes de se levantar e sair, como
quem não tinha dito nada demais. Mas, naquele dia, foi a homilia dele que ficou
comigo. Afinal, quem pode atirar a primeira pedra, se todos, no fundo, andamos
a sonhar com repolhos?
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