Deixa o Vento Fazer o Serviço

Não farei caminho algum, criatura impaciente! E cá pra nós, quem é que em sã consciência confia numa flecha gramatical? A gramática, coitada, já tropeça sozinha no seu dia a dia, imagine atirar com precisão! Cantando? Ora, meu caro, desafinar já basta a vida, que vive a puxar cordas fora do tom. Desenhar? O lápis nem bem se encosta ao papel e já está a rabujar que isso não é função de quem quer sossego.

E levar-te ao mítico dos míticos? Pois saiba que nem os poetas querem mais saber desse sossego de biblioteca! Estão todos lá fora, a contar piadas para as estrelas e a rir do tempo que perdem a serem lidos pelos que não entendem nada. Sossego, meu caro, é invenção de quem nunca teve a ventania certa a bater-lhe na cara.

E essas promessas? Chegar antes da morte, enfrentar pânicos, cruzar galerias de ópio? Ora, ora! Chegar a quem, criatura? Que adianta correr com tanto drama se a vida se desenrola mesmo é em passos miúdos, tropeços e um gole de café frio entre um susto e outro?

Então, sossega essa lâmina em repouso e vai aprender com a vida. Que o ferro não tem paciência, mas sabe esperar. E eu, cá no meu canto, não canto, não rabisco e não invento caminho nenhum – que para viver, já basta atravessar o que há sem pedir tanto mapa! 

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