Se não sabe,
escrevo para o meu vizinho. Mas só escrevo quando me empolgo, ou quando o frio,
como o de hoje, me convida a refletir. Meu vizinho é uma vitrine, uma grama
artificial, um espetáculo de fogos artificiais vindos diretamente da China.
Veja bem, outro dia percebi que ele possui uma vasta coleção de bonecas, um
colecionador, ao que parece. Alguns dizem que é uma mania hereditária, algo
para o qual não sei ao certo dar nome. O que realmente importa é que as mãos
das bonecas do meu vizinho são apenas isso: mãos de bonecas.
A princípio,
pensei que meu vizinho buscasse aceitação para ser quem é, talvez precisasse de
permissão para ser gay. Com o tempo, entendi que se tratava, na verdade, de uma
questão de gosto, uma indefinição que não cabe em julgamentos simplistas. Senti
compaixão... Meu vizinho carece de afagos, pobre coitado. Nos seus lençóis não
se encontra a benevolência, e isso me entristece. Mas, quem sabe, estou errada.
Talvez meu vizinho possua uma sirene caleidoscópica de alta definição, algo
capaz de iluminar o caminho até o farol dos Açores.
Certa vez, ele
tentou conquistar algumas raparigas, valendo-se de truques de Photoshop. Na
ocasião, faltavam-lhe cestas básicas, a conta de luz quase a ser cortada, e ele
fez até beicinho, suplicando às raparigas, aos bancos, aos agiotas..., mas em
vão. Nem sacerdote algum pôde mudar a sua sorte. Meu vizinho sempre brinca de
ser manhoso, joga com o fogo, mas nada lhe acontece. Contudo, quem nunca se
queimou sabe muito pouco sobre a vida, não é verdade?
Sem tempo para ver
o tempo passar, ele cria alfabetos de sal, de cá para lá, acolá. Sim, meu
vizinho é um sobrenaturalista, sofre de uma trágica utopia. Dizem que já aparou
um raio com os dentes; eu mesma vi, quando ele foi convidado a participar das
políticas públicas. Com um estalo, aparou o raio, chamuscou apenas os cabelos,
mas salvou quatro vidas, todas bonecas. As velhotas em volta, essas não tiveram
a mesma sorte. Meu vizinho, no fundo, tem vocação para super-herói.
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