às vezes toda dor faz sentido,
ou talvez finja fazer —
como a chuva que cai enviesada,
desenhando espirais invisíveis,
mesmo quando o guarda-chuva tenta proteger.
mais vale rir e seguir em frente
do que deixar a tempestade desarrumar o cabelo.
mas a água sempre encontra um caminho,
escorrendo pelas rachaduras que a alma finge não ter.
estás a ver? o chão espelha o céu,
e ninguém repara,
os passos são gotas escorrendo
em direção ao aspirador —
um vórtice faminto que engole o que escapa.
– reparaste como a chuva sempre tem pressa?
– ou talvez sejamos nós,
correndo demais para fugir
de algo que só quer nos molhar.
abaixa, olha, oh! trovões riscaram o céu,
como crianças entediadas rabiscando um caderno velho.
mas aqui embaixo,
o guarda-chuva é pequeno demais
para dois silêncios. não acha?
o sorriso é mesmo um vinco lindo na pele,
frágil como papel molhado.
– leu o seu horóscopo hoje?
pensei em um café quente,
agora imagine o fim do universo em câmera lenta,
um colapso sereno, sem aplausos.
os pingos batem no tecido tenso
e escorrem, parece desenhar mapas
de lugares que só existem no erro,
como frases que desistem de ser ditas
no exato momento em que quase ganham voz.
– a vida é só isso?
chuva e esquinas que a gente nunca dobra?
– não. às vezes tem bolo,
ou um abraço que dura mais que o esperado.
a ironia pinga do céu
e mistura-se ao riso contido.
a cidade curva-se sob a água, mas eles seguem,
descompassados,
cada um carrega a sua própria enchente.
e quando a chuva para,
nenhum dos dois percebe —
estão molhados demais por dentro.
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